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João Augusto Figueiró
entrevista joao
Há alguma doença em que a pessoa não sente dor?
Existe uma doença chamada analgesia congênita, que se caracteriza pela ausência de dor e é incompatível com a vida, porque as pessoas por ela acometidas não sobrevivem muito tempo. Geralmente, uma criança com analgesia não ultrapassa os 12, 13 anos. Elas se machucam, têm infecções, se queimam e não percebem; têm pneumonia, apendicite e, como não sentem dor, não procuram assistência médica.
Então é bom sentir dor?
A dor é uma coisa fundamental para a vida. Sem dor não dá para viver, a pessoa morre, literalmente. Ela é uma manifestação de alarme, de algo que não está indo bem. Portanto, é extremamente útil para a sobrevivência de todos os organismos vivos.
A dor crônica também seria "útil"?
Em algumas dores crônicas, a função de comunicação de que algo está errado já foi feita anteriormente. Nesses casos, a dor é inútil, mas não completamente, porque mesmo quando crônica, serve para mobilizar o indivíduo na adoção de algumas atitudes, como buscar amparo e proteção, comunicar o seu sofrimento aos outros, solicitar suporte social e procurar solução para o problema.
Existem estudos específicos sobre a dor no Brasil?
Eu coordeno um programa no Ministério da Saúde, na Associação Médica Brasileira, que é um programa de educação na área de dor, justamente pelo fato de aqui no Brasil ainda não termos uma política de assistência à dor adequada. E a dor é uma condição muito comum. Estima-se que aproximadamente 80% das pessoas que vão ao sistema de saúde fazem isso motivadas por dor. Assim, existe um movimento nacional no sentido de melhorar as condições de estudo e tratamento no Brasil.
Como o organismo reage para combater a dor?
Normalmente, a sensação de dor tende a diminuir espontaneamente, porque existe um sistema inibitório dela. O sistema nervoso funciona assim: todo estímulo doloroso, depois de um certo tempo, vai sendo inibido na consciência. Por exemplo, quando uma pessoa entra na água fria de uma piscina, nos primeiros minutos sente a baixa temperatura com maior intensidade. Depois, ela se adapta, devido a esse sistema inibitório das sensações, que visa a poupar o sistema nervoso da estimulação excessiva e constante. O indivíduo com dor também adota posturas antálgicas (que reduzem a dor), massageia o local dolorido e adota uma série de comportamentos que visam a reduzir a intensidade da dor, afastar-se do agente tóxico causador do problema (ou que exacerba a condição dolorosa) e buscar auxílio de outras pessoas.
Os remédios para a dor atuam no sistema nervoso?
Muitos medicamentos para a dor estimulam o sistema inibitório, que é parte do sistema nervoso central. Os medicamentos analgésicos atuam tanto no sistema nervoso central como no sistema nervoso periférico (nervos). Alguns medicamentos também atuam nos tecidos periféricos; portanto, fora do sistema nervoso. Por exemplo, você entra em um ambiente onde tem barulho de ar condicionado. Se esse barulho não for inibido do seu sistema nervoso, você está com um canal sensorial ocupado. Se você sentou em uma cadeira, sentiu um desconforto, e este permaneceu ativo na sua consciência, você está ocupando um segundo canal sensorial. À medida que vai ocupando canais sensoriais, a pessoa desvia a atenção do seu foco, pois há coisas demais ocupando espaço na cabeça dela.
Então quanto mais interferências na consciência, mais a pessoa perde seu objetivo?
Se você ocupa a consciência com várias coisas, não consegue focalizar no que é importante naquele momento. O sistema nervoso funciona basicamente assim, inibindo percepções (depois que a pessoa foi informada) para que ela volte sua atenção para um determinado fim. E a hierarquia de importância, de valores do sistema nervoso é: em primeiro lugar, a sobrevivência e, depois, as outras coisas. Portanto, quando alguém ocupa a consciência com outras coisas, diminui a percepção da dor.
Você poderia exemplificar isso na prática?
É o que ocorre, por exemplo, com o indivíduo que está jogando futebol, leva uma pancada na perna e não percebe o ferimento, tampouco sente dor. Na guerra, um soldado perde um membro inteiro (braço ou perna) e não percebe, não sente nada, porque naquele momento a consciência está voltada para a necessidade de sobrevivência, acima de qualquer outra coisa. O soldado continua correndo e, ao chegar em um lugar seguro, ele se dá conta do que aconteceu e aí vem a sensação da dor.
E como o cérebro de alguém que perde uma parte do corpo se comporta?
O cérebro tem uma perfeita noção do seu corpo. Esta noção é realimentada pela periferia. Por exemplo, se eu olho a minha perna e vejo o que tenho, eu alimento a minha imagem corporal. Com o passar do tempo, eu vou observando que eu não tenho mais a perna e essa imagem vai encolhendo. Isso se chama telescopagem. Hoje, recomenda-se para a pessoa que amputa um membro colocar imediatamente uma prótese, pois assim ela mantém e reforça a imagem corporal na memória. A sensação de permanência de um membro que já não mais existe é chamada de membro fantasma. Todo indivíduo amputado tem um membro fantasma, isto é, percebe uma coisa que não existe mais. A dor fantasma, portanto, é a dor que a pessoa sente no membro que não existe mais. Isso ocorre com muita freqüência em indivíduos amputados.
Por que a pessoa tem a sensação de algo, ainda que o tenha perdido?
Porque existe um programa genético, independente da experiência. O cérebro humano é condicionado a isso. Nem tudo o que temos na memória foi vivido por nós. A maior parte dos seres humanos, por exemplo, tem um memória aversiva à cobra, mesmo que não tenha tido uma experiência concreta com uma. As crianças que nascem sem um membro têm a memória do corpo normal, programada pelo cérebro.
Por que o placebo funciona para algumas pessoas e não para outras?
O placebo funciona para cerca de 40% da população. Acredita-se que no efeito placebo esteja envolvida uma série de mecanismos psicológicos. Acredita-se que o efeito placebo é determinado mentalmente. Quanto mais você sofisticar a parafernália dele, maior a eficácia. Ademais, a crença, a fé da pessoa também influencia sua aplicação. A sugestão tem um poder enorme no cérebro, e o efeito placebo parece estar ligado a isso. Algumas pessoas não respondem a ele em um momento específico, mas podem responder em outras ocasiões ou com outros profissionais. Tudo depende do aparelho cognitivo do sujeito, ou seja, de componentes psicológicos. Hoje em dia, utilizam-se técnicas bastante elaboradas na formulação de um placebo, como pílulas coloridas, medicamentos injetáveis, enfim, coisas mais complexas. Independentemente da etiologia da dor, você pode ter uma resposta a estes procedimentos que, farmacologicamente, são inócuos.
Há outras técnicas médicas de se curar uma dor, além das convencionais?
A hipnose é uma delas. Funciona melhor para dores que possuem causas orgânicas bem definidas do que dores que envolvem um componente psicológico mais intenso. Na Segunda Guerra, havia problemas de disponibilidade de anestésicos. Foi aí que a hipnose ressurgiu no meio acadêmico médico. A pessoa, naquelas condições, estava altamente mobilizada a ser ajudada por tal procedimento, estava sugestionável. Isso, sem dúvida, contribui para uma maior eficácia do que se aplica.
Qual a influência da serotonina na percepção ou não de uma dor?
A serotonina é um neurotransmissor central do sistema inibitório da dor. Você tem um sistema que é ascendente, isto é, vem da periferia para o centro, que é um sistema sensorial. Este traz as informações dolorosas. No sentido inverso, do centro para a periferia, há um sistema inibitório da dor. O sistema nervoso é como um sistema de fiação elétrica, conduz estímulos elétricos. Existem várias estações onde esses estímulos são continuados ou interrompidos. O sistema inibitório, nessas estações e em outras, vai interrompendo ou não o trânsito do estímulo. A serotonina é o neurotransmissor mais importante do sistema inibitório descendente. Quando ela está em pouca quantidade no sistema inibitório, ocorre muita entrada de estímulo. Tanto é assim que se usam medicamentos antidepressivos (que aumentam a serotonina) como analgésico. Este, no entanto, pode mascarar as dores.
Como a homeopatia trata a dor? Ela alivia as dores crônicas?
A homeopatia, na minha opinião, funciona não pela ação farmacológica dos medicamentos, mas atua muito como efeito placebo. O médico homeopata tem uma visão mais sistêmica, mais integrativa de vários aspectos da vida da pessoa. Assim, a consulta homeopática funciona muito como um processo psicoterápico, de entendimento de determinantes que estão gerando um certo sintoma. Evidentemente, outros médicos terão opiniões diferentes sobre esse assunto.
A dor pode então ser encarada de uma forma positiva?
O cérebro é capaz de auto gerar potenciais, efeitos em si mesmo e no corpo. Um estímulo externo também faz isso. A mudança cerebral pode ocasionar mudanças curativas no organismo. A dor, além do fato de ser um aviso para a pessoa, traz uma série de outros benefícios, primários, secundários, enfim. Você com sua dor controla o ambiente, tem muitas coisas que não teria sem ela, como atenção, cuidado, carinho e obtém isenção de uma série de responsabilidades. Além disso, a dor, para muitas pessoas, serve para detonar um processo de questionamento sobre a forma como esta pessoa vem vivendo; seus valores, suas prioridades, e pode frequentemente ser detonadora de um processo de crescimento e fortalecimento da personalidade.
SOBRE O AUTOR
João Augusto Figueiró é médico psicoterapeuta do Centro Multidisciplinar de Dor da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do Programa Nacional de Educação Continuada em Dor e Cuidados Paliativos para Profissionais de Saúde da Associação Médica Brasileira. Um dos fundadores da Associação Brasileira dos Pacientes Portadores de Dor Crônica e Fora de Recursos Curativos, Familiares e Cuidadores (a Abrador), atualmente preside o conselho consultivo dessa entidade.
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