LUZIA
Naquele dia estava tudo certo. Ela estava decidida.
Não havia mais motivo para continuar adiando a decisão que deveria ter sido tomada há algum tempo.
Cada vez que chegava em casa, a cena se repetia: o garoto estava lá, deitado no sofá, com os pés em cima do sofá, assistindo TV, na sala. De visitas! Enquanto a mãe, satisfeita, ao celular, conversava com “mãeâ€, em Petrolina.
Suzete então chegou, e diante da repetição dos fatos, não se abalou. Sabia que aquilo terminaria ali, naquele santo dia.
Afinal, ela havia gasto exatas 3 sessões de terapia desabafando todo seu descontentamento em relação ao comportamento de Luzia. Não que Luzia fosse uma funcionária ruim, de modo algum. Luzia era espaçosa, isso sim.
Em compensação, Luzia tinha gestos que deixavam Suzete enternecida, porque além de legÃtimos, demonstravam preocupação verdadeira, carinho.
Perdera a conta das vezes em que, à beira da piscina, Luzia aparecera com uma bandeja, e um suco de abacaxi fresquinho, batido com gengibre, e folhinhas de hortelã. Da gelatina diet, de diversos sabores, que nunca faltavam, sempre à sua espera, na porta na geladeira.
Nada de sentimentalismos bobos pensou Suzete. Chega. Além desse menino viver largado aqui no meu sofá, ainda tenho que agüentar intermináveis horas de histórias tristes, do gado que morreu por causa da seca, ou da comadre que fez promessa, mas Padim CÃcero resolveu não escutar. Essa casa poderia estar tinindo, não fosse todo tempo perdido em telefone, nos cuidados com esse menino que não sai de frente da tv, e dessa mania infernal que Luzia tem de querer arrumar emprego para todo mundo que chega do Norte.
Suzete estava com o discurso pronto e afiado. Também, vinha ensaiando com o terapeuta (sim, porque se não ensaiasse com ele, como saberia se teria mesmo coragem de dizer tudo aquilo?) há semanas, e a cada sessão a retórica melhorava, dando a Suzete firmeza e segurança.
Ela entrou e foi direto falar com Luzia. Ia começar a falar quando Luzia virou-se para ela, e disse: “Que bom que a senhora chegou. Tenho algo para lhe dizer. Quase que me esqueço. Trouxe para a senhora 6 bem casados que Januário ganhou da patroa dele. (Januário é o marido de Luzia). Ninguém lá em casa liga muito para bem-casado, mas eu sei que a senhora adora.â€
Suzete olhou bem para Luzia e disse a ela: “Luzia, não há ninguém como você!†“Traga esses bem-casados depressa, que minha boca está cheia de água.â€
Outro dia Suzete pensou. Outro dia........................
autoria - Marcia Arida